Brasileiro lidera pesquisa da Amazon sobre chip quântico – 14/03/2025 – Tec

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O brasileiro responsável pela pesquisa em computação quântica da Amazon Web Services (AWS), Fernando Brandão, 42, afirma que sua equipe ainda precisará de anos de trabalho para sair do protótipo de chip quântico apresentado neste mês e alcançar a construção de um supercomputador.

“Precisamos chegar a um modelo de fabricação de chips industrial e validar os processos que usamos. Depois, a gente vai precisar de muitos chips interconectados e desenvolver a habilidade de como ligar isso”, diz Brandão à Folha de seu laboratório em Pasadena (Califórnia), em conversa via videoconferência.

Atrás dele estava uma lousa com desenhos de estados quânticos e cálculos com números complexos. Brandão afirma que a física teórica, sua área de formação, o ajuda a ter uma visão geral para juntar as contribuições dos mais de cem colegas de diferentes áreas do laboratório da AWS, do qual é um dos dois diretores.

O desenvolvimento do computador quântico permitirá resolver problemas insolúveis nas máquinas digitais, como a quebra da criptografia de sistemas de defesa cibernéticos e de criptomoedas, além de análises úteis na criação de materiais, fármacos e na ciência em geral. Embora sejam revolucionários em teoria, os sistemas são muito instáveis e, por ora, não funcionam de forma confiável.

Físico teórico de formação, Brandão é graduado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), doutor pela Imperial College, de Londres, e, hoje, professor da Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia). Antes, deu aula na Federal de Minas Gerais e na Suíça.

O cientista atribui o sucesso de sua vida acadêmica internacional em grande parte ao CNPq, que lhe concedeu bolsa durante o período na Inglaterra, onde ele pôde se aprofundar na computação quântica. No início dos anos 2000, quando iniciou seus estudos, a área era tão incipiente que o físico começou a pesquisa ao mesmo tempo que seu então orientador, Reinaldo de Oliveira Vianna.

O desafio atual da computação quântica, aponta o diretor da Amazon, é reduzir o nível de erro dos qubits —o equivalente quântico dos bits, a base da computação clássica.

O erro é tamanho que os chips precisam juntar vários “qubits reais” a fim de obter o resultado de um único “qubit lógico” (o nível de performance sem qualquer perturbação). O qubit real é uma partícula subatômica submetida a estímulos externos cujo comportamento é usado como informação nos cálculos do computador quântico. Diferentemente de um bit convencional, ele pode ser zero e um ao mesmo tempo.

Os cientistas ainda não encontraram na computação quântica o equivalente ao transistor da computação clássica —essa peça reproduz com fidelidade o um, quando passa corrente elétrica, e o zero, quando não passa.

A Microsoft movimentou a corrida tecnológica pelo computador quântico ao anunciar, em 19 de fevereiro, qubits mais resistentes a erros, ao trabalhar com um estado quântico da matéria chamado férmions de Majorana. O chip, chamado Majorana 1, possui oito qubits topológicos, mantendo os elétrons em constante superposição.

Uma semana depois, a equipe da AWS apresentou, em artigo na Nature, outra técnica para conter o erro, baseada no chamado estado bosônico da matéria. Acabou conseguindo reduzir em dez vezes a quantidade de qubits reais necessários para chegar ao resultado de um qubit lógico. O avanço reduziria o tempo estimado para alcançar a construção de um computador quântico viável em até cinco anos.

*A IBM já desenvolve processadores quânticos, embora não tenha participado da última leva de anúncios

A estratégia da Amazon foi imitar a superposição das partículas de luz, os fótons, em um fenômeno chamado “estado de gato”, em homenagem ao exercício mental do gato de Schrodinger —aquele em que o felino dentro da caixa está vivo e morto ao mesmo tempo. “Quanto mais fótons houver, menor é a chance de ruído ou interferência”, explica Brandão.

Assim como os fótons, os qubits são partículas subatômicas (menores do que um átomo) e, por isso, têm comportamento quântico. Também por isso, qualquer observador pode afetar o estado dos qubits.

De novo, funciona como no exercício de Schrodinger. Dentro da caixa, o gato está morto e vivo ao mesmo tempo. Depois de abri-la e observar, o gato vai estar em apenas um dos estados

“Na mecânica quântica, é preciso ser cuidadoso, porque se a pessoa observa um qubit ou observa uma propriedade física, acaba colapsando. Quando se observa o sistema, se estará necessariamente mudando o estado dele”, detalha o professor da Caltech.

Por isso, os aparelhos precisam funcionar em um ambiente isolado, com temperatura próxima do zero absoluto (-273 Cº). “Até de engenheiro para fazer essa parte da criogênica [resfriamento] a gente precisa”, diz Brandão. O sistema é tão sensível que até a medição do comportamento deve ser feita de maneira indireta, por meio de outros bits, chamados qubits de ancilla.

“É muito difícil isolar os sistemas do ambiente deles, sempre vai ter uma perturbação de algum fóton que está passando perto do seu qubit ou de algum campo magnético”, afirma o físico. “Isso perturba a computação e faz com que ela não funcione”, complementa.

Brandão afirma que sua equipe pretende diminuir ainda mais os erros de seus chips quânticos, antes de escalar os modelos. “Ainda há pesquisa a ser feita em ciências dos materiais e na arquitetura que a gente usa”, acrescenta.

A Amazon faz qubits com supercondutores, o mesmo material usado nos supercomputadores de hoje. “A ideia é tornar a computação quântica o mais parecida o possível com os computadores atuais”, diz o diretor.

O físico recorda que os primeiros computadores, de 1946, não usavam transistores e sim tubos de vácuo, chamados de “válvulas termiônicas”. Levou dez anos até a invenção do primeiro computador completamente transistorizado. Foi só em 1971 que a Intel lançou o primeiro processador —eram 4 bits, integrando 2.300 transistores.

“Isso foi há mais de 50 anos, precisamos de muito desenvolvimento para chegar a este nível de sofisticação [nos computadores clássicos] que temos hoje em dia”, afirma.

De acordo com o cientista, é possível comparar a introdução do computador quântico à invenção do predecessor do computador pelo matemático britânico Alan Turing, que permitiu violar o código nazista Enigma, até então indecifrável.

Ainda segundo o diretor da AWS, a criação do computador quântico permitiria avançar na compreensão do mundo quântico. Em uma comparação, só foi possível descrever o comportamento quântico após a invenção dos números complexos.

Para Brandão, o conhecimento levaria a avanço tecnológico. “A gente espera que novas tecnologias tão relevantes quanto o laser ou a ressonância magnética apareçam” —ambas foram descobertas atreladas à física quântica. Ele ainda cita fertilizantes mais eficientes, baterias melhores e novos produtos farmacêuticos.

Quando começou na computação quântica, há mais de 20 anos, o cientista nem sequer esperava trabalhar na construção de um chip quântico. “A área era muito teórica, os experimentos estavam muito no começo”, recorda.

“Era uma mudança de paradigma em como pensar nesses problemas interessantes da mecânica quântica, mas era uma coisa que eu nunca achei que se tornaria, realmente, realidade”, diz.

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