No início de abril, o lançamento do Guia Descorchados, do jornalista chileno Patricio Tapia, como todos os anos, reuniu o que há de melhor dos vinhos na América do Sul em um evento em São Paulo e outro no Rio. Nesses eventos, numa única manhã (ou tarde) a gente tem a oportunidade de provar centenas de vinhos premiados.
.
Dá vontade de provar tudo, mas isso é impossível. Por isso, é bom ter um recorte. Este ano, o recorte se apresentou para mim de maneira espontânea, por meio de dois convites para encontros com dois produtores chilenos que fazem vinhos bastante fora da curva. Neles, provei tintos frescos, chilenos bem diferentes do cabernet sauvignon potente e estruturado, com longas passagens por madeira, que fez o Chile se destacar no cenário mundial.
Como boa parte dos brasileiros, aprendi a beber vinho tomando cabernet sauvignon chileno. Não era um vinho especial. De lá para cá, muita água rolou e o Chile foi se destacando pela qualidade de seus tintos, que se assemelham aos de Bordeaux. Hoje o país produz coisas incríveis nesse estilo. Confesso, porém, que algumas vezes esses bordaleses são pesados demais para mim. Por isso fiquei feliz com os convites para encontrar os produtores da Longaví Wines e da Viña Tabalí.
A singularidade dos vinhos dessas vinícolas começa por sua localização. Enquanto a maioria das vinícolas chilenas se localiza em regiões centrais, próximas de Santiago, a Longavi está bastante ao sul, no Vale do Maule, e a Tabali, bastante ao norte, no Vale de Limari.
No Maule, a vitivinicultura existe desde os colonizadores, mas esteve relegada à produção de uvas para vinhos baratos por décadas. Hoje seu grande trunfo está nas vinhas velhas de castas patrimoniais, cepas usadas antes da chegada das blockbusters francesas cabernet sauvignon (tintos) e chardonnay (brancos). São uvas como a país, a carignan, a garnacha, a cinsault e a monastrell (mouvedre), para tintos, e a semillon e as moscatos, para os brancos. Outro ponto marcante desse terroir é a agricultura de secano. Ou seja, num clima desértico sem o uso de irrigação. Muito adaptadas, as castas patrimoniais têm raízes profundas que vão buscar a água lá embaixo e trazem junto uma enorme complexidade de aromas.
A Longavi é um projeto de Julio Bouchon, da família da Bouchon Family Wines (recentemente vendida), também do Maule, junto com o sul-africano David Wieuwoudt. Provamos seus crus maravilhosos: o tinto Soberano (97 pontos no Descorchados), um carignan com uma pitada de garnacha, ambas de um vinhedo plantado em 1960 na fronteira com Itata; o Reforma (96 pontos), um rosé de garnacha, que desenvolve flor (aquele véu de leveduras característico do jerez fino) durante o amadurecimento. E o branco Cementerio (94 pontos), um chenin blanc enxertado nas raízes de um vinhedo centenário de uva país. Ao lado do cemitério.
Não são baratos. Na World Wine, estão por R$ 410,00, R$ 287,00 e R$ 287,00, respectivamente. A Longavi, no entanto, tem a linha Glupt, que é para ser fácil de tomar, além de ter bom preço. Qualquer um dos rótulos dessa linha custa R$ 156,00. O que mais amo deles é o Glupt Cinsault, pura fruta azedinha. Esse, no entanto, não entrou no guia.
À diferença do Maule, a vitivinicultura no Limari é recente. Ali se plantava uvas para pisco, que não precisam de tanta qualidade. A Viña Tabali foi a primeira a investir em uvas de qualidade na região, que é muito fria. O solo calcário, semelhante aos solos da Borgonha e de Champagne, na França, único no Chile, é o grande trunfo da região.
Não é à toa que produz grandes chardonnays e pinots noirs. No almoço com Felipe Müller, enólogo e CEO da Tabalí, provei Tabalí Talinay Caliza Chardonnay (R$ 549,90) e o Tabalí Pinot Noir (R$ 366,90). Bem diferentes da maioria dos vinhos chilenos feitos dessas uvas, mais minerais, mais próximos do estilo da Borgonha. Eles têm a linha Pedregoso, que é bem mais barata. Custa R$ 129,00 na Casa Flora. Dessa, eu provei o Sauvignon Blanc, que, por sua elegância, me lembrou os do Loire.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.